

À frente do Brics, Brasil defende multilateralismo perante conflitos
O Brasil, que ocupa a presidência do Brics, exortou, nesta segunda-feira (28), o reforço do multilateralismo como mecanismo para acabar com os conflitos na Ucrânia e em Gaza, em uma reunião de chanceleres do bloco no Rio de Janeiro, também dedicada ao tema da guerra tarifária.
O encontro coincidiu com o anúncio surpresa do presidente russo, Vladimir Putin, de uma trégua de três dias na Ucrânia, de 8 a 10 de maio, considerada por Kiev como uma "tentativa de manipulação".
O presidente ucraniano, Volodimir Zelensky, propôs, em contrapartida, "um cessar-fogo imediato, global e incondicional de pelo menos 30 dias".
"Defendemos a diplomacia em vez do confronto e a cooperação em vez de unilateralismo", disse o chanceler Mauro Vieira, na abertura do encontro no Palácio do Itamaraty, no centro do Rio.
"O conflito na Ucrânia continua a causar pesado impacto humanitário, ressaltando a necessidade urgente de uma solução diplomática", acrescentou.
Os chanceles dos países-membros do Brics se reúnem durante dois dias como preparação para a cúpula dos chefes de Estado e governo do bloco, prevista para 6 e 7 de julho, também no Rio.
O apelo de Vieira por uma solução diplomática para a guerra da Ucrânia acontece enquanto Washington impulsiona um acordo considerado bastante favorável a Moscou.
A Rússia é sócia fundadora do Brics, e seu chanceler, Serguei Lavrov, está presente no encontro no Rio.
A presidência brasileira do Brics também instou a "retirada total" das forças israelenses de Gaza e considerou "inaceitável" a obstrução da chegada de ajuda humanitária ao território palestino.
Israel retomou a campanha militar na Faixa de Gaza em 18 de março, depois que uma trégua de dois meses veio abaixo por desavenças com o grupo islamista palestino Hamas, cujo ataque sem precedentes contra Israel, em outubro de 2023, deu início à guerra.
"A retomada dos bombardeios israelenses em Gaza e a obstrução contínua da ajuda humanitária são inaceitáveis", disse Vieira. "É necessário assegurar a retirada total das forças israelenses de Gaza", acrescentou.
Ao menos 40 pessoas morreram nesta segunda-feira em Gaza em bombardeios israelenses, informou a agência de Defesa Civil do território palestino.
- Regras do mercado -
O Brasil exerce este ano a presidência rotativa do bloco, que também inclui Rússia, China, Índia, África do Sul, Egito, Emirados Árabes Unidos, Etiópia, Irã, Indonésia e Arábia Saudita.
O primeiro dia de reuniões terminou sem uma esperada declaração final sobre vários temas da agenda.
O documento será divulgado na terça-feira. É esperado que os chanceleres façam um apelo pelo respeito ao multilateralismo e às regras do mercado internacional, diante da guerra comercial desencadeada pelo presidente americano, Donald Trump.
O Fundo Monetário Internacional (FMI) reduziu suas previsões de crescimento mundial para 2,8% neste ano, devido aos "níveis extremamente altos de incerteza" causados pelas tarifas impostas pelos Estados Unidos e pelas represálias de vários países.
O bloco representa quase metade da população mundial e cerca de 39% do PIB global.
A guerra comercial de Trump afetou especialmente a China, também fundadora do Brics, com tarifas de 145% sobre seus produtos, às quais Pequim respondeu com tarifas de 125% sobre importações americanas.
O bloco "assumirá o papel de defensor das normas e da ordem global", mas "ao mesmo tempo buscará evitar qualquer confronto direto com a administração Trump", estimou Michael Shifter, do centro de estudos Diálogo Interamericano.
- Desdolarização? -
O tema sensível do impulso à desdolarização do comércio entre os países do Brics, debatido em outubro na cúpula de Kazan, na Rússia, e que provocou ameaças de Trump de 100% foi relativizado por Lavrov.
O chanceler russo disse que o bloco se dedica a facilitar o aumento das transações comerciais nas moedas nacionais de seus membros.
Mas "seria prematuro debater a transição para uma moeda única para o Brics", disse Lavrov ao jornal O Globo, segundo a transcrição para o inglês da entrevista publicada nesta segunda-feira pela chancelaria russa.
Em declarações anteriores à abertura do encontro, Vieira destacou que "não há planos de substituir ou criar novas moedas", e sim o interesse em realizar transações com custos menores.
Na terça-feira, o grupo também realizará uma sessão com os nove países associados, para discutir a necessidade de fortalecer o multilateralismo entre os países do Sul Global.
M.Albrecht--VZ